terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Poeminhas - Em homenagem a Mario Quintana

Poeminha do Contra


Todos estes que aí estão

Atravancando o meu caminho,

Eles passarão.

Eu passarinho!

(Mario Quintana)



Poeminha a favor

Todos esses que aí vão,

Construindo meu caminho,

Eles também passarão.

Eu sempre passarinho!

(Luanna Calasans)

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Idéias

Pra que haja amor, deve haver contradição, não abrace minhas palavras, se estas são pra você, apenas mais um tijolo de um muro que você já construiu.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Sobre o amor II

Era noite quando eles se conheceram, através de amigos em comum, partilhavam mesmos interesses, trocaram sorrisos e olhares, dividiram o mesmo copo e o mesmo desejo, que posteriormente se transformou em uma ação e ao amanhecer estavam dividindo a mesma cama. Passaram então a compartilhar seus momentos, longas conversas e uma juvenil paixão, logo caíram nos problemas dos casais, tudo conforme o previsto no roteiro do amor-romântico, sua história seguia, portanto um caminho bem clássico, o estipulado as relações contemporâneas. Mas em um momento a receita de hormônios desandou, e assim como o corpo humano se desgasta com o tempo, a paixão envelheceu, tornando-se uma rancorosa senhora solitária beirando a morte.


Mas ela ainda se arrastava pela casa resmungando, graças a um dos indivíduos que ainda não esquecera os momentos iniciais, o silencio estava agora sempre presente, abrindo espaço somente para eventuais brigas, brigas essas que já não ocorriam com vigor de quem protesta, mas sim um pedido de morte a uma situação já irremediável.

Nesse momento as sensações mais perversas corrompem os melhores humanos, que apegados ao seu orgulho, se deixam seduzir pela força, sentindo o desinteresse de seu par, nosso amante ainda apaixonado caiu em desgraça, passando a imaginar sua companheira nas situações mais constrangedoras de traição. Aquela pessoa que antes ele amara, se tornou uma vilã em seu jogo, passou então a sufocá-la diariamente, como nas torturas a afogava em acusações intercalando tais atos com perguntas sem sentido, para ver a mesma confessar os crimes que não cometeu. Esses novos sentimentos sentiam fome, passou a devorar sua companheira, comer sua carne. Logo ela estava encostada em um canto, e já não falava, apenas vagava entre os móveis do quarto com um olhar cada vez mais perdido, para que ela ficasse, ele passou a administrar pequenas doses de veneno, e graças a sua fraqueza, ela nunca saia.

Um dia ao chegar em casa encontrou um corpo frio e estático em sua cama, tocou todas as partes do corpo exposto contemplando cada detalhe, cheirou seu cabelo , beijou seus lábios, penetrou em seu sexo cru, e só nesse momento ele percebeu, que ela já havia partido há muito tempo, chorou recostado no boneco estendido na sua cama, objeto de sua adoração, que um dia lhe forneceu o calor de suas coxas e o conforto do seu colo, e que agora ele destruíra.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Mártir

Como é estranho olhar no espelho e não reconhecer a si mesmo, tocar seu próprio rosto e perceber que apesar daquela imagem fria lhe representar, pouco diz sobre você. Tocar em um corpo e perceber um estranho, ver que tudo aquilo que acreditava e prezava em si mesmo pode ser facilmente destruído, como um castelo de areia que mesmo com suas fortificações, sua complexa estrutura e todo o tempo gasto para se tornar algo imponente, se dissolve com a primeira onda que o alcança.

Saio de casa destinada a me livrar dessas antigas idéias e sofrimentos, os rostos que me encontram na rua só demonstram o costumeiro estranhamento ao me fitar, pelo caminho vou deixando minhas roupas, argumentos puramente simbólicos que, outrora, afirmavam algo sobre mim.

Ao chegar à praça olhos curiosos percorrem meu corpo exposto, me censurando, inicio então o processo de me despir de mim mesma. Arranco com violência meus cabelos, sentindo a carne de minha cabeça sair junto aos longos fios, antes tão valiosos, a platéia assiste chocada soltando sons de angústia. Passo então a arrancar ferozmente minha pele, sangrando, nesse momento a platéia transforma-se em uma grande alcatéia, mas ao invés de deferir ataques, aguarda que sua vítima agonizar, possibilitando sua tortura individual. Já posso sentir meus dedos tocarem meus ossos, meu rosto já se encontra desfigurado, não sendo possível apontar o que se vê como belo ou feio, apenas repulsivo.

Arranco então meus seios, símbolo do apoio maternal que não tive e que nego a oferecer em todos aqueles que o procura em mim, por ultimo puxo fortemente meu sexo, que durante toda a vida, e até mesmo antes dela se iniciar, definiu minhas predileções e o que deveria ser minha “identidade”, assisto então o resto de minhas carnes caírem, como se esse corpo percebesse que ele já não me pertence ou me corresponde, sou agora apenas um conjunto de ossos, nos olhos do meu público posso enxergar todo o terror que causa a exposição da fragilidade humana, mas agora já não tenho pudor, rótulos ou humanidade e apenas não me lembro dos significados de tais palavras.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Sobre o amor I

Uma tarde atravessando a rua encontrei no chão um boneco de pano maltratado, com suas vestes rasgadas, um triste sorriso e em seu peito um vitral vermelho despedaçado em peças tão mínimas que inicialmente não pude perceber seu formato de coração, tentei reanimá-lo e descobrir o que houve com ele, mas nada me respondeu, sem muito pensar decidi levá-lo para minha casa.

O cotidiano nos aproximou e aquela criatura frágil que estava sempre ao meu lado passou a me encantar, começamos a conversar sobre todas as coisas, sentia que possuía um par e queria dividir com ele toda a minha visão do mundo, procurei ensinar o boneco de pano a sentir, apresentei o tato a ele e o prazer que provém desse sentido. Um dia acordei e ao olhá-lo me surpreendi, o boneco de pano se desfazia, seus braços antes recobertos de tecido estava se rasgando aos poucos e já era substituído por uma pele própria humana, e todo o esforço para juntar seus pedaços havia sido recompensado, seu coração voltara a bater.

O tempo passou e os questionamentos aumentaram, fui coberta de dúvidas que iam além de minha capacidade, os momentos que antes eram dedicados a mim se converteram em horas na janela, observando o mundo ao qual inicialmente tinha medo de voltar, não me assustei no dia em que ele resolveu partir, olhei para o espelho e percebi meus lábios costurados em minha face, meus olhos substituídos por botões, minha pele um branco e fino tecido, ele se foi e levou consigo meu corpo, minhas memórias e todo o meu tempo, já não possuía lugar algum para ir, saí vagando pelas ruas a procura de tudo que perdi, meu novo corpo chegou rápido a exaustão, deitei na calçada impressionada com o conforto que aquele lugar contrariamente me fornecia, ali fiquei.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Tratado sobre a crueldade II – Tudo que está ao nosso alcance

Unhas bem feitas, cabelo arrumado, uma bela e espaçosa casa, marido, filhos, todos os desejos financeiros atendidos, na mão uma taça de vinho, seu companheiro há muito tempo, pelo menos a única companhia a quem ela costumava solicitar, a combinação álcool mais remédios era sua favorita, passeava distraída entre os móveis de sua sala, analisando cada peça cuidadosamente, talvez trocasse a mobília, mandaria trocar o tapete também, sua tontura permitia que enxergasse um constante vulto branco silencioso passar por ela, era sua empregada, nem ao menos consegue se lembrar do seu rosto, quem dirá de seu nome, a antiga transava com seu marido, essa nem ao menos levanta sua cabeça, sempre silenciosa e servil, S-E-R-V-E-N-T-E, a muito tempo pronunciar algo não lhe trazia tanto prazer, seu rosto se contorce em um sorriso de repugnância e satisfação, joga um gole de vinho no tapete, bebe seu ultimo com uma apreciação antes não denotada, e joga a taça no chão, o barulho atrai a presença solicitada, devidamente uniformizada ainda de cabeça baixa, sua voz pergunta “se machucou senhora?”, mais uma vez o sorriso se forma em seu rosto, “acredito que terá que lavar o tapete”, são suas palavras, se joga preguiçosamente no sofá, enquanto aquela pequena figura, sua empregada, recolhe os cacos de vidro e limpa vigorosamente a mancha vermelha.

O que era uma distração temporária se tornou seu objeto de prazer, gostava de observar o trabalho daquela que organizava seu lar, internamente repetia sem parar S-E-R-V-E-N-T-E, aquela que está lá para servi-la, trocava objetos de lugares e a culpava, sempre arranjava motivos para que ela ficasse até tarde trabalhando, sujava propositalmente as roupas das crianças, gostava especialmente do semblante constante de sua vitima, nenhuma indignação, nenhum comentário rude de volta, ela apenas a ouvia e lhe demonstrava olhares de desespero diante as acusações de sua senhora. Com o tempo esses pequenos atos se tornaram insuficientes para sua satisfação, assim como uma droga, seu corpo exigia mais daquela sensação, passou então a aumentar seu consumo, manchava as roupas que estava na máquina de lavar e a acusava duramente, após as acusações de displicência e incapacidade viu a jovem se desmanchar em prantos, gargalhava por dentro em um ápice de prazer, passou a mão em sua cabeça para consolar o ser choroso em sua frente, era uma confirmação, ela era a justiça, a única que a outra conheceria e a que lhe aplicaria as devidas punições, detinha esse poder sobre sua serva.

Passava a noite pensando nos castigos que aplicaria, nas situações que criaria a fim de humilhá-la conforme a sua vontade, imaginava sua empregada nos eventos mais sórdidos e se deliciava com essas visões, pensou diversas vezes em agressões físicas, se sentia como um carrasco punindo sem se importar com a procedência dos crimes ou a possível inocência de sua vitima, uma tarde entupiu o vaso sanitário, defecou logo em seguida imaginando as reações que encontraria a seguir, a chamou e notificou do problema no banheiro, parou na porta para observar o procedimento, a empregada então se negou, pediu que chamasse um encanador, argumentando que esse não era seu trabalho, jamais ouvira uma afronta pior, sua ira por tal rebeldia foi tão grande que agarrou a jovem moça pelos cabelos, a mesma somente se debateu enquanto ela a atingia no rosto, após a agressão, pediu que ela saísse de sua frente e fosse se recompor na cozinha, surpreendeu-se após a volta da mesma em 20 minutos avisando que iria partir, assistiu imóvel a saída de sua serva pela porta.

Posteriormente comentou muito abalada com o marido sobre a forma absurda que a empregada havia partido, por dentro ela se corroia, questionando a si mesma como passaria seus dias, mas seu companheiro lhe mostrara imediatamente novas possibilidades, dizendo: “Não se preocupe, rapidamente encontraremos outra, essas meninas são produzidas em série”, ela logo teria um outro brinquedo, poderia dormir tranquilamente essa noite.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Sobre a crueldade humana - O prazer pela destruição das coisas belas.

Ele senta no chão em uma parte gramada de seu quintal, arranca as folhas nas cercas e despedaça delicadas flores amarelas, sua mãe passou meses plantando-as, esperando que elas brotassem, mas para essa figura infantil é muito fácil destruir, sem muito remorso ele continua sua atividade, seu sorriso diante a destruição, desfaz a idéia de fragilidade que poderíamos ter a primeira vista, surge então o primeiro grito, sua mãe exclama seu nome, anda até sua direção e lhe dá palmadinhas nas mãos, enquanto repete: “Não, não, não”.

Após um rápido choro, ele anda até outra parte, encontra no chão uma borboleta que se debate com as patas viradas pra cima, difícil imaginar como ela caiu dessa forma, entretanto, é perceptível que ela ainda vive, sua luta pela sobrevivência é visível e seria comovente para qualquer um de nós (ou não?), o ser cruel se aproxima, a segura por uma pata que imediatamente se desfaz, usa de força sem medida, pausa um momento para avaliar uma forma de segurá-la sem que se despedace imediatamente, isso impediria sua diversão, após tentativas que mais parecem uma tortura consegue, não evita ferir ser tão belo, ao contrário, seus planos são exatamente esses, sua admiração pelas cores não o impede de dilacerar quem as possui, arranca então a primeira asa, a vira em direção do sol e observa os detalhes que aparecem na presença da luz, o que para ele é apenas curioso, algo a ser admirado e que ele necessita possuir é para nossa borboleta fruto de uma série de transformações, que custaram a ela grande parte de seu tempo de vida.

Nesse momento ele percebe, descobre o prazer que advém da destruição das coisas belas, se sente como o agressor que encurralou sua vitima e aproveitando sua fragilidade retira essa beleza do seu corpo, admirar não é o suficiente. A vitima continua a se debater em suas mãos, mesmo sabendo que sua luta está perdida, jamais voaria novamente, chora por todas as tentativas de sobrevivência inúteis e desperdiçadas pela chegada de algo muito superior a ela, seu agressor continua o mesmo processo de dissecação da frágil criatura que para ele nem possui nome, sua mãe mais uma vez o observa, dessa vez sem nenhuma represália, “Ele está brincando com uma borboleta qualquer”. Após ser desmembrada nossa borboleta é imediatamente descartada no meio do jardim, seus encantos estão esgotados, posteriormente seu cadáver será pisoteado por um dos humanos, consumido pelos demais insetos na grama, ou somente esquecido e escondido entre a terra.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Quando a vi pela primeira vez ela vestia preto, era a menina de preto, sentada em um banco, sempre lendo algo, sempre sozinha, passei então a observá-la todos os dias, percebi que sempre usava as roupas da mesma cor, suas unhas também estavam sempre pintadas de preto, gostava de notar quando estavam descascando, era a única modificação visível naquele ser que pra mim se tornou um mistério a ser desvendado.

Imaginava o que ela ouvia, onde morava, o motivo de sua solidão, lia os mesmos títulos que ela e passei a adorá-la com paixão, no rosto antes desconhecido passei a enxergar possibilidades de identificação,lhe atribuí uma personalidade doce como sua voz (a qual jamais ouvi), vicíos de linguagem, pequenas manias e tiques, com o passar do tempo, ela se tornava cada vez mais complexa e completa. 

Um dia encontrei minha menina de preto rodeada de pessoas, sorrindo. Suas unhas já não descacavam o esmalte que durante muito tempo me indicava seu humor, ele havia sido substituído por um outro qualquer, seus mistérios haviam sido revelados, ela se tornara uma figura normal, nunca soube o motivo da mudança, provavelmente jamais saberei, na realidade nunca a conheci, descobri que ela era apenas uma idéia.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Ela arrasta seus olhos pela calçada, anda com a cabeça baixa. É noite e o vento frio sacode as árvores fazendo as gotas acumuladas em suas folhas caírem violentamente, uma chuva fina cobre a noite, ela pode ouvir reclamações da maioria das pessoas que passam por ela, a imagem deles com seus guardas chuvas coloridos contrasta com a noite acinzentada. Ela não reclama, apenas caminha, o sinal está fechado, ela não possui um guarda-chuva e suas roupas estão molhadas e a insistente chuva fina passa a molhar também seus livros que ela aperta forte contra o peito, enquanto aguarda ouvindo fragmentos de vidas alheias, seu ônibus passa diante do seu olhos, a diferença de alguns minutos, o próximo só daqui a uma hora.

Os minutos se arrastam, enquanto vários ônibus passam, a não ser o dela, o ponto se torna cada vez mais vazio, ela senta, talvez devesse se preocupar, mas seus pensamentos estão longe demais, ele cria roteiros para todos esses desconhecidos que mal possuem rosto, que se confundem com a massa, muitos devem estar em casa dormindo, muitos dormem com a cabeça apoiada na janela, alguns viajam em  pé carregando claros sinais de cansaço, será que entre eles há alguém fazendo o mesmo questionamento que ela?

O ponto agora se encontra vazio, ela já nem sabe dizer se seu ônibus passou afinal, ou quantos ônibus passaram por ali, seus olhos apenas continuam a passear por planos incompreensíveis. Ao longe surge então uma figura masculina, ela anda em sua direção, e qual personagem será ele? Ela fixa nesse personagem completamente novo em seu teatro, onde ela o encaixará? Qual a sua história? Os passos os trazem cada vez mais perto aumentando sua curiosidade, nesse momento todo seu mundo está voltado para esse sujeito, ele está em uma proximidade cada vez maior, até que senta ao seu lado, seus grandes olhos castanhos viram pra ele, ela o encara, ele repentinamente parece nervoso, talvez ela devesse temê-lo, afinal ela é uma mulher sozinha com um sujeito desconhecido em um ponto de ônibus localizao em uma rua absolutamente vazia e mal iluminada, mas seu medo foi substituído pela curiosidade, uma curiosidade quase infantil, aquela que faz as crianças levarem as coisas proibidas à boca e ignorar todas as tentativas de proteção paternal.

Ele então puxa um 38, de repente ela entende que ele é seu executor, mas não parece uma figura atroz, ao contrário, parece ter medo dela, treme com a arma na mão e ela apenas continua a encará-lo com uma curiosidade mórbida, está encantada com essa surpresa, estrategicamente colocada em seu palco. Ele grita pedindo o celular, ela não se move, ele puxa bruscamente a bolsa, e nesse momento ela descobre toda a trajetória desse personagem.  Seus olhos expressam então toda a intimidade recém descoberta, ela se encontra maravilhada, ele corre, sem pronunciar mais nenhuma palavra, mas por fim acaba parando, vira e atira. Atira, pois é errado ler as pessoas dessa forma. Ela apenas sente sua pele queimando, sua visão se mancha de vermelho e a noite se torna um pouco mais colorida, a calçada cinza se mistura com o branco de seus livros espalhados pelo chão e o vermelho de seu sangue que escorre, seus olhos continuam abertos, cobrindo o caminho do outro com um castanho avermelhado, e ela continua a olhá-lo. 

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Techo retirado do livro: A garota das laranjas.

Jostein Gaarder

Já contei que toco piano. Não sou um superpianista, mas o pri­meiro movimento da Sonata ao luar, de Beethoven, eu consigo exe­cutar sem errar uma nota. Quando estou sozinho, tocando o primei­ro movimento da Sonata ao luar, às vezes me dá a sensação de estar na Lua com um piano de cauda, enquanto a Lua, o piano e eu descrevemos a órbita da Terra. Imagino que os acordes que toco podem ser ouvidos em todo o sistema solar, e, se não chegam até Plutão, certamente se ouvem em Saturno.

Ultimamente, comecei a praticar o segundo movimento (o allegretto). Não é muito fácil, mas eu o acho lindo quando a minha professora de piano toca para mim. Sempre imagino um monte de bonequinhas mecânicas saltitando para cima e para baixo na escada de um shopping!

O terceiro movimento da Sonata ao luar eu não quero ver nem pintado, não só porque é difícil mas também porque acho um horror ser obrigado a escutá-lo. O primeiro movimento (adagio sostenuto) é bonito e talvez um pouco lúgubre, mas o terceiro (presto agitato) é simplesmente ameaçador. Se eu estivesse numa espaçonave e, ao descer num planeta, desse com um pobre extraterrestre marte­lando ao piano o terceiro movimento da Sonata ao luar, daria o fo­ra no mesmo instante. Em compensação, se o encontrasse executan­do o primeiro movimento, é bem possível que ficasse uns dias por lá, pelo menos me atreveria a falar com ele e ame informar exata­mente sobre a situação do planeta musical no qual aterrissei.

Uma vez eu disse à minha professora de piano que Beethoven tinha em si o céu e o inferno ao mesmo tempo. Ela arregalou os olhos. Disse que eu havia compreendido! E me contou uma coisa interes­sante, Não foi Beethoven quem deu a essa música o título Sonata ao luar. Ele a chamava de Sonata em dó sustenido maior, opus 27, nº. 2, com o apelido Sonata quasi una fantasia. Minha profes­sora de piano acha essa peça dramática demais para se chamar So­nata ao luar. Diz que o compositor húngaro Eram Liszt descrevia o segundo movimento como "uma flor entre dois abismos". Eu di­ria que é um divertido teatro de fantoches entre duas tragédias.

 

Me identifico muito com essa sonata de Beethoven e indico a todos que não a conhece.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Quanto mais sinto o tempo passar, menos tenho pressa pelo futuro.

O engraçado é que viver não é uma opção, assim como morrer não é uma opção, tão manca é nossa liberdade que nos é reservado uma cota específica de tempo de vida, desse tempo se subtrairmos de nossa existência a permanência na primeira infância e a velhice não nos sobra quase nada, isso me lembra Mario Quintana, enquanto remo em direção a vida me apegando a beleza dual do mundo, sou do contra.

Poeminha do contra

Mario Quintana

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!

E então? Já não importa mais.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Às vezes a vida nos dá uma rasteira, caímos então violentamente batendo as costas contra o solo, por vezes sangramos, por vezes a dor é tão intensa que demora o momento de conseguirmos nos reerguer, mas o que poucos sabem é que ao tombar, miramos o céu, apesar do corpo insistir em reclamar, apesar do sangue escorrer pelo canto da boca, por quê não olhar o céu? Ele está ao alcance dos seus olhos.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

 

Se hoje tivesse que definir meu coração o compararia com uma floresta, já que não encontro um melhor termo para definir como me sinto a não ser dizer que estou devastada, vejo o verde que antes pulsava em mim sumir com velocidade, os rios onde meu sangue circulava começam a secar, há indícios de desertificação, após um bom tempo tentando repará-lo, plantando com esperança pequenas mudas, sinto mãos arrancá-las de forma crua, puxando-as pelas raízes até que não sobre sinal de vida. Os argumentos humanos para isso são sempre os mesmos, vocês os conhecem bem.

Esotérico

Doces Bárbaros

Gal e Betânia

Não adianta nem me abandonar

Porque mistério sempre há de pintar por aí

Pessoas até muito mais vão lhe amar

Até muito mais difíceis que eu pra você

Que eu, que dois, que dez, que dez milhões

Todos iguais

Até que nem tanto esotérico assim

Se eu sou algo incompreensível

Meu Deus é mais

Mistério sempre há de pintar por aí

Não adianta nem me abandonar

Nem ficar tão apaixonada, que nada!

Que não sabe nadar

Que morre afogada por mim.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Canção do berço

Carlos Drummond de Andrade

O amor não tem importância.
No tempo de você, criança,
uma simples gota de óleo
povoará o mundo por inoculação,
e o espasmo
(longo demais para ser feliz)
não mais dissolverá as nossas carnes.
Mas também a carne não tem importância.
E doer, gozar, o próprio cântico afinal é indiferente.
Quinhentos mil chineses mortos, trezentos corpos
[de namorados sobre a via férrea
e o trem que passa, como um discurso, irreparável:
tudo acontece, menina,
e não é importante, menina,
e nada fica nos teus olhos.
Também a vida é sem importância.
Os homens não me repetem
nem me prolongo até eles.
A vida é tênue, tênue.
O grito mais alto ainda é suspiro,
os oceanos calaram-se há muito.
Em tua boca, menina,
ficou o gosto do leite?
ficará o gosto de álcool?
Os beijos não são importantes.
No teu tempo nem haverá beijos.
Os lábios serão metálicos,
civil, e mais nada, será o amor
dos indivíduos perdidos na massa
e só uma estrela
guardará o reflexo
do mundo esvaído
(aliás sem importância).

(Poema da obra Sentimento do mundo)

segunda-feira, 10 de maio de 2010

-Você tem um cigarro?
- Estou tentando parar de fumar.
- Eu também. Mas queria uma coisa nas mãos agora.
- Você tem uma coisa nas mãos agora.
- Eu?
- Eu.
(Silêncio)

Trecho extraído do conto “O dia em que Júpiter encontrou Saturno”, de Caio Fernando Abreu.

sábado, 8 de maio de 2010

formspring.me

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Pedras

Ando por essa paisagem sem admira-lá, apesar das cores que me rodeiam, a dor que sinto faz com que toda a minha apreciação se esgote, na face que anteriormente se estampava um sorriso, uma carranca se contorce de dor, moldando minha boca em gestos involuntários, aqui gritar não é permitido. Sigo minha caminhada caindo por vezes, fato que faz meus joelhos sangrarem, levanto e prossigo caminhando sobre as pontudas pedras, sentido-as atravessarem a carne dos meus pés, sinto vontade de me curvar, de desistir, mas não há essa alternativa, parar significa sangrar ainda mais, a própria gravidade, meu próprio corpo luta contra mim, ao olhar ao redor vejo rostos já irreconhecíveis que se arrastam ao meu lado, alguns tentando evitar a dor, outros expondo claramente seu sofrimento, há ainda os que gritam e são imediatamente apontados e excluídos, dentre os grupos há uma maioria que ultrapassou os limites da dor e prazer fazendo de ambas uma coisa só, esses já se encontram sem sensibilidade e caminham seguindo passos sem sentido.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Medos

Sinto fome, fome de sentimentos, do afeto de um par, mas ao encontrar tal afeto me vejo sem reação, assim como um mendigo que há tanto tempo sem bons tratos não consegue aproveitar um banquete, meu coração ainda não recuperado dos maus tratos passados se encontra sempre temeroso. Com receio do futuro é incapaz de se dedicar aos momentos. Tenho medo de desejar novamente, desejar em vão.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Chuva, caixas e lembranças

Lembro de ler por aí que nossa casa material exterioriza nossa organização interna, ontem sentada após um dia longo enquanto minha cabeça fervilhava questões que provavelmente ninguém procura saber as respostas, me veio esse pensamento, parei então para contemplar a bagunça, seja ela somente externa ou não.
Minha vontade de organizar o mundo pode abraçar toda a humanidade, entretanto, esse desejo não se aplica a mim mesma. Olhando ao meu redor vejo as coisas antes tão queridas se perdendo com a chuva, sendo tomadas pelo mofo e seu odor, as folhas dos cadernos já úmidas, meus cartões e fotografias presos em caixas vão desbotando, perdendo as cores que tanto prezo, ou melhor, que tanto prezava. Apesar da nostalgia que sinto ao tocá-los, já não me importo de fato, só não sei responder se assim como tais objetos os sentimentos que os acompanhavam se perderam.
Sinto-me rodeada de teoria, teorias tão humanas, mas sinto que venho perdendo a sensibilidade do que é próximo, não tenho uma explicação para isso e pelo que vejo, ouço, sinto atualmente, não sou a única a seguir por esse caminho.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Blogs

Bem, pretendo fazer desse espaço um pequeno arquivo de pensamentos e das coisas que eu gosto, o twitter já não é suficiente.