quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Techo retirado do livro: A garota das laranjas.

Jostein Gaarder

Já contei que toco piano. Não sou um superpianista, mas o pri­meiro movimento da Sonata ao luar, de Beethoven, eu consigo exe­cutar sem errar uma nota. Quando estou sozinho, tocando o primei­ro movimento da Sonata ao luar, às vezes me dá a sensação de estar na Lua com um piano de cauda, enquanto a Lua, o piano e eu descrevemos a órbita da Terra. Imagino que os acordes que toco podem ser ouvidos em todo o sistema solar, e, se não chegam até Plutão, certamente se ouvem em Saturno.

Ultimamente, comecei a praticar o segundo movimento (o allegretto). Não é muito fácil, mas eu o acho lindo quando a minha professora de piano toca para mim. Sempre imagino um monte de bonequinhas mecânicas saltitando para cima e para baixo na escada de um shopping!

O terceiro movimento da Sonata ao luar eu não quero ver nem pintado, não só porque é difícil mas também porque acho um horror ser obrigado a escutá-lo. O primeiro movimento (adagio sostenuto) é bonito e talvez um pouco lúgubre, mas o terceiro (presto agitato) é simplesmente ameaçador. Se eu estivesse numa espaçonave e, ao descer num planeta, desse com um pobre extraterrestre marte­lando ao piano o terceiro movimento da Sonata ao luar, daria o fo­ra no mesmo instante. Em compensação, se o encontrasse executan­do o primeiro movimento, é bem possível que ficasse uns dias por lá, pelo menos me atreveria a falar com ele e ame informar exata­mente sobre a situação do planeta musical no qual aterrissei.

Uma vez eu disse à minha professora de piano que Beethoven tinha em si o céu e o inferno ao mesmo tempo. Ela arregalou os olhos. Disse que eu havia compreendido! E me contou uma coisa interes­sante, Não foi Beethoven quem deu a essa música o título Sonata ao luar. Ele a chamava de Sonata em dó sustenido maior, opus 27, nº. 2, com o apelido Sonata quasi una fantasia. Minha profes­sora de piano acha essa peça dramática demais para se chamar So­nata ao luar. Diz que o compositor húngaro Eram Liszt descrevia o segundo movimento como "uma flor entre dois abismos". Eu di­ria que é um divertido teatro de fantoches entre duas tragédias.

 

Me identifico muito com essa sonata de Beethoven e indico a todos que não a conhece.

Um comentário:

  1. Eu disse que não sabia muito do seu passado, mas pra quê? Se é tão bom conhecer a você de agora? =]

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