sábado, 29 de janeiro de 2011

À margem de um sonho

O Sol forte castiga os corpos que se movem ao seu redor, mas não impede seu sono, deitada em meio à via pública, seu corpo estava exposto aos olhares que em grande maioria apenas repudiavam sua presença, eles tem pressa, seguem em diversas direções, “correndo atrás de seus sonhos”, pés, pernas, roupas, bolsas, gravatas, pastas, papéis, trabalho, uma massa que se mexe homogênea, indo de encontro a um único ponto.


Se empurasse o papelão que encobre seu rosto, nossa protagonista observaria isso tudo, entretanto, acostumou-se a ser invisível, e assim como os demais não lhe atribuíam importância, ela também passou a ignorá-los, os tratando como fantasmas, seres pertencentes há uma realidade que a mesma não conhecia e nem desejava, havia cansado de olhar sem ser olhada e pelos passos na calçada ela sabia que eram todos iguais.

Ao despertar o movimento se esvai, a noite chega à praça e intensifica o movimento dos seus conhecidos, afetos e desafetos que dividem o mesmo lugar, muitos desconhecidos, rostos desconhecidos surgem todos os dias.

É Natal, época em que ela consegue mais dinheiro e doações, tais “presentes” pouco significam pra ela, se trata de mais uma tentativa das pastas, bolsas e gravatas de livrarem sua consciência, afinal são almas caridosas, a praça está cheia de luzes, ela gosta das luzes.

Ela se levanta, no corpo as marcas da violência, envolto por pedaços de pano desencontrados, cabelos emaranhados, no rosto uma idade além da qual realmente lhe pertence, na boca o gosto do último trago de pinga. O vazio que se inicia no estômago e corrói até a alma, seu único desejo é escapar, escapar dos carros, das fardas, dos outros, dos fantasmas, o perigo se apresenta a cada esquina. Não é que ela não sonhe, mas que sua existência tão complexa, não pode ser captada pelo sujeito que segura o lápis, um dos transeuntes, que nesse momento coloca palavras em sua boca.