sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Mártir

Como é estranho olhar no espelho e não reconhecer a si mesmo, tocar seu próprio rosto e perceber que apesar daquela imagem fria lhe representar, pouco diz sobre você. Tocar em um corpo e perceber um estranho, ver que tudo aquilo que acreditava e prezava em si mesmo pode ser facilmente destruído, como um castelo de areia que mesmo com suas fortificações, sua complexa estrutura e todo o tempo gasto para se tornar algo imponente, se dissolve com a primeira onda que o alcança.

Saio de casa destinada a me livrar dessas antigas idéias e sofrimentos, os rostos que me encontram na rua só demonstram o costumeiro estranhamento ao me fitar, pelo caminho vou deixando minhas roupas, argumentos puramente simbólicos que, outrora, afirmavam algo sobre mim.

Ao chegar à praça olhos curiosos percorrem meu corpo exposto, me censurando, inicio então o processo de me despir de mim mesma. Arranco com violência meus cabelos, sentindo a carne de minha cabeça sair junto aos longos fios, antes tão valiosos, a platéia assiste chocada soltando sons de angústia. Passo então a arrancar ferozmente minha pele, sangrando, nesse momento a platéia transforma-se em uma grande alcatéia, mas ao invés de deferir ataques, aguarda que sua vítima agonizar, possibilitando sua tortura individual. Já posso sentir meus dedos tocarem meus ossos, meu rosto já se encontra desfigurado, não sendo possível apontar o que se vê como belo ou feio, apenas repulsivo.

Arranco então meus seios, símbolo do apoio maternal que não tive e que nego a oferecer em todos aqueles que o procura em mim, por ultimo puxo fortemente meu sexo, que durante toda a vida, e até mesmo antes dela se iniciar, definiu minhas predileções e o que deveria ser minha “identidade”, assisto então o resto de minhas carnes caírem, como se esse corpo percebesse que ele já não me pertence ou me corresponde, sou agora apenas um conjunto de ossos, nos olhos do meu público posso enxergar todo o terror que causa a exposição da fragilidade humana, mas agora já não tenho pudor, rótulos ou humanidade e apenas não me lembro dos significados de tais palavras.

7 comentários:

  1. Alguém me disse que muitas vezes é preciso perder pra sentir falta.
    Ou "quando você for pai/mãe vai entender" (disse um pai ou uma mãe, possivelmente os seus).

    Mas o que eu realmente tenho sentido é isso aí no seu texto. O que eu tenho realmente desprezado (em mim e) no mundo é a capacidade extrema de se acomodar com o que te rodeia sem questionar palavra alguma.

    Ter ou não ter não define nada... Os rótulos que se estampam em minha pele não marcaram meus ossos, e se marcaram ou estão marcando ainda está em tempo de lustrá-los..

    Espero que você tenha guardado os seus pedacinhos.. se ainda quiser, eu te ajudo a colocá-los no lugar...

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  2. Meus textos não são feitos pra mim, alguns surgem de reflexões que envolvem outras pessoas. Na verdade pouco tem a ver comigo.

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  3. Nunca observei por este lado... vou ficar mais atento.
    De qualquer forma, fica meu comentário a respeito, sendo pra você ou não.. :D

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  4. Seus textos são mais sobre sentimentos e humanidades que textos puramente biográficos. gosto disso. gosto bastante!

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  5. Cruza os limites da realidade sentida e da realidade narrada, ideias transbordando em ação.

    Muito bom, continue produzindo que eu quero ler mais.

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