segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Sobre o amor I

Uma tarde atravessando a rua encontrei no chão um boneco de pano maltratado, com suas vestes rasgadas, um triste sorriso e em seu peito um vitral vermelho despedaçado em peças tão mínimas que inicialmente não pude perceber seu formato de coração, tentei reanimá-lo e descobrir o que houve com ele, mas nada me respondeu, sem muito pensar decidi levá-lo para minha casa.

O cotidiano nos aproximou e aquela criatura frágil que estava sempre ao meu lado passou a me encantar, começamos a conversar sobre todas as coisas, sentia que possuía um par e queria dividir com ele toda a minha visão do mundo, procurei ensinar o boneco de pano a sentir, apresentei o tato a ele e o prazer que provém desse sentido. Um dia acordei e ao olhá-lo me surpreendi, o boneco de pano se desfazia, seus braços antes recobertos de tecido estava se rasgando aos poucos e já era substituído por uma pele própria humana, e todo o esforço para juntar seus pedaços havia sido recompensado, seu coração voltara a bater.

O tempo passou e os questionamentos aumentaram, fui coberta de dúvidas que iam além de minha capacidade, os momentos que antes eram dedicados a mim se converteram em horas na janela, observando o mundo ao qual inicialmente tinha medo de voltar, não me assustei no dia em que ele resolveu partir, olhei para o espelho e percebi meus lábios costurados em minha face, meus olhos substituídos por botões, minha pele um branco e fino tecido, ele se foi e levou consigo meu corpo, minhas memórias e todo o meu tempo, já não possuía lugar algum para ir, saí vagando pelas ruas a procura de tudo que perdi, meu novo corpo chegou rápido a exaustão, deitei na calçada impressionada com o conforto que aquele lugar contrariamente me fornecia, ali fiquei.

4 comentários:

  1. Caralho... Muito lindo, muito lindo. Fiquei muito emocionado, Lua.
    Acho que acabei de encontrar um boneco de pano, tão miserável quanto o seu...

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  2. Lindo mesmo... Merece que se divulgue! Continue assim, xuxu... I'm proud of you.

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  3. Muito lindo!
    Adorei de verdade, parabéns!

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  4. Você escreve muito bem, Lua.
    Realmente muito boa a sua capacidade de abstrair e fazer bonitas metáforas. Um cheiro.

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