quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

"Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu. 
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor."¹

Estou preso em meio ao caos de carros e homens, a avenida reclama o tempo todo, só se ouvem buzinas e algumas vozes que hora se alteram proclamando guerra ao seu vizinho. Ao meu redor metal, estou protegido em minha caixa tecnológica, tenho comida, bebida, ar-condicionado, praticamente um segundo útero, mas hoje estou estranhamente impaciente, não consigo ouvir a música que toca na rádio, quero sair, andar com meus próprios pés, correr! Mas é impossível, espero pacientemente a grande fila de homens lata.

Repentinamente meus olhos são atraídos para uma pequena figura que ocupa a rua ao fechar o sinal, uma menina, seu corpo em desenvolvimento a equipara a mais delicada flor, pernas frágeis e expostas, cobertas apenas por uma fina saia que dança ao redor do seu corpo com o vento, mãos pequenas e ágeis, em momento algum deixa um de seus malabares cair. Apesar dos trejeitos infantis, em seus olhos está marcada a determinação e a coragem de quem transforma diariamente essa avenida em palco, e representa seu papel, diante de uma multidão surda, fechada em seu próprio mundo.

Falta pouco para o sinal abrir, ela ligeiramente se esquiva entre os carros, estendendo sua mão nas janelas abertas, sua apresentação é paga com indiferença e, por vezes alguns centavos, ela vem em minha direção possibilitando que eu veja melhor os traços do seu rosto, mas o sinal abre, os carros partem, buzinas voltam a soar, ela corre assustada para a calçada, um carro quase a atinge. Olho pelo retrovisor e vejo seus malabares em uma mão, suas moedas na outra junto ao peito ao qual ela aperta ainda ofegante pelo susto.


"É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio."¹

¹ Trecho do poema "A flor e a naúsea" de Carlos Drummond de Andrade

3 comentários:

  1. Linda a maneira com que vc abrange o sentido do poema.

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  2. Como vc escreve bem... e descreve o poema numa cena tão forte e ao mesmo tempo tão bonita.

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  3. Luuua
    aguardo ansiosamente pelo próximo post!
    ;*

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